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Dormindo com bebês

Estava arrumando minha caixa de e-mails e achei um texto falando sobre a cama compartilhada.
Um texto simples, curto, fácil de ler com argumentos ótimos.

Recomendo fortemente. Leiam!

Neste texto, faço uma pausa no assunto células-tronco e volto paras minhas reflexões sobre como nos definimos como humanos. Em visita ao zoológico de San Diego (aliás, altamente recomendável para quem visitar a região) tive a oportunidade de observar pequenos filhotinhos de primatas dormindo com seus pais. Os filhotes pareciam superconfortáveis, seguros, num sono descompromissado e restaurador.

Depois, em conversa com um amigo primatólogo, descobri que a maioria dos primatas não-humanos tem o hábito de dormir com seus bebês. Não acredito que isso tenha sido extensivamente estudado, talvez pelas dificuldades do trabalho de campo ou mesmo pelo respeito ao animal em cativeiro. Enfim, acho que isso é apenas uma observação de grupos que trabalham com primatas que sugere um comportamento comum. Mas e os humanos? Eles dormem com seus bebês?


Note-se que não tenho filhos, então me senti completamente confortável de pesquisar sobre o assunto, sem nenhum pré-conceito ou qualquer introdução prévia. O começo da minha pesquisa parecia fácil, bastaria perguntar para casais que tiveram filhos se eles dormiam ou não com os filhos. Para meu espanto, descobri que isso era um tabu. As pessoas não se sentiam confortáveis em falar sobre o assunto. É realmente interessante, pois nunca tinha prestado a atenção nisso e, na verdade, não vemos muito esse comportamento humano retratado em filmes, seriados ou qualquer outra forma de mídia na cultura ocidental. Muito curioso, pois isso deveria ser um comportamento “normal” dos humanos.

Pois bem, aos poucos, consegui alguns comentários curiosos de casais que estavam para ter filhos ou que os tinham tido há pouco. Na verdade, os comentários estavam vindo dos médicos pediatras: “Nunca durma na mesma cama com seu bebê”. Mais do que um comentário ou sugestão, a frase está mais para uma ordem a ser seguida. A razão aparente, é que um adulto dormindo poderia sufocar o recém nascido durante um descuido. E o que esperar de pais de primeira viagem depois dessa explicação aparentemente lógica? Que vão seguir as ordens do pediatra sem questionar, afinal ninguém quer ser responsável pela morte do próprio filho, ainda mais nessas condições.

No entanto, a explicação dos pediatras ocidentais me pareceu um pouco forçada. Perguntei-me quantos bebês já haviam morrido dessa forma. Para meu espanto, a resposta que obtive não foi clara, mas sim tendenciosa. Isso porque a maioria dos trabalhos relatando esse tipo de morte não é causal. Mesmo em casos nos quais o bebê morria sozinho na cama dos pais, o evento era classificado como morte causada porque os pais dormiam junto com os bebês. Nos poucos casos em que a causa foi devidamente investigada, descobriu-se que não tinha qualquer relação com dormir ou não junto aos pais. Em geral, uma infecção ou má-formação de algum órgão interno era a causa da morte.

Descobri então que a recomendação de nunca dormir com bebês era apenas uma hipótese sem qualquer base cientifica. Na verdade, a recomendação médica ocidental atual está contrariando o que se observa com outros primatas. Por que isso? A primeira vez que esse tipo de recomendação apareceu em um livro foi em 1901, num guia leigo para pais escrito por um homem solteiro com nome de mulher (The Baby, Marianna Wheeler, Harper Bros, London). Recomendações do tipo “Nunca manipule muito os bebês, eles devem passar a maior parte do tempo dormindo sozinhos” estão lá. A partir daí, outros guias leigos começaram a ensinar os pais a “resolver” os problemas de sono dos bebês deixando-os sozinhos, chorando até cansar. Hoje em dia isso soa estranho, pelo menos para mim…

Esses livros foram baseados na ideologia econômica e religiosa vigente da época. Além disso, existia um medo que os bebês pudessem presenciar atividades sexuais dos pais e ficassem traumatizados pelo resto da vida. Soma-se a isso o surgimento de conceitos como o de “amor romântico”, onde a relação conjugal ideal entre marido-esposa exclui a presença dos filhos, do individualismo e da autonomia infantil como forma de independência e do surgimento de “especialistas em bebês” que escreviam diversos livros para leigos, perpetuando essas idéias.

Esses conceitos foram definindo onde os bebês deveriam dormir: sozinhos, se possível num quarto separado. Foram levados em conta fatores históricos, morais, culturais para definir o que era “normal e saudável”, mas não fatores biológicos. Vemos aí a imposição da hierarquia de valores nos pais: na esfera social o “bom” bebê versus o “mau” bebê e na esfera “cientifica” o bebê mais desenvolvido e superior versus o bebê mimado e inferior. Afinal, se dormir sozinho é bom para o bebê, então bons bebês dormem sozinho, certo?

O problema é que esses conceitos entraram como pseudociência em consultórios e livros médicos. Ora, a idéia era tornar os bebês independentes o mais rápido possível. Assim eles estariam “prontos para o duro mundo dos adultos”. Acho que o que fica dessa história toda é a questão da independência do bebê. Mas o que significa deixar um bebê independente? O pior é que bebês não foram programados para ser independentes, pelo contrário. Um dos custos da expansão cerebral dos humanos é que o cérebro humano não está formado ao nascer. O bebê humano nasce dependente do contato. Sem contato com outros indivíduos, morre.

Poderíamos fazer o caminho inverso e perguntar qual a real necessidade fisiológica do bebê. Para isso, teríamos de deixar de lado o que esperamos socialmente dos bebês e começar a olhar qual é a real biologia da relação entre recém-nascidos e pais. Por quê os bebês precisariam dormir junto com alguém? Brevemente, posso pensar em algumas razões do tipo: proteção, monitoramento, fácil acesso à alimentação, redução do número de episódios de choro, os pais conseguem dormir mais e melhor (verificado experimentalmente), mais tempo com os filhos, conhecendo-os melhor e curtindo-os.

Achei alguns trabalhos científicos onde os autores acompanharam por vinte anos as características de bebês que haviam se tornado “independentes” no conceito ocidental (não chora e dorme muito), com outros que viviam em comunidades alternativas e que tiveram um contato maior com os pais, inclusive dormindo juntos. Não se encontrou evidência social, cognitiva, emocional ou fisiológica que demonstrasse alguma vantagem em bebês que dormem sós. Por outro lado, os bebês que dividiram a cama com os pais tinham menor representação em grupos com doenças psiquiátricas, demonstravam um melhor conforto com a identidade sexual, eram adultos mais independentes, com melhor controle emocional e de estresse (Heron, 1994).

Nos meus estudos, acabei concluindo que dormir juntos com bebês não é anormal. Ao contrário, deveria ser mais estimulado, pois não é perigoso ou inapropriado, além de ter uma conseqüência positiva no individuo adulto. A forma como é praticado pode ser perigoso, é verdade, mas isso não é inerente ao ser humano.

PS: Como descrevi no texto, as observações aqui relatadas são baseadas em pesquisa pessoal e em alguns trabalhos científicos. As conclusões podem estar completamente erradas.
Texto do Espiral.

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