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O outro lado do rio

A Dra. Catia Chuba é médica obstetra e ginecologista, mora no Brasil, é mãe do Gustavo, de 6 anos, nascido de uma cesárea, e da Beatriz, de 1 ano, nascida de um lindo parto natural domiciliar.

É ativista do parto Humanizado e hoje atende partos domiciliares e hospitalares em São Paulo e foi quem escreveu esse maravilhoso texto sobre sua mudança de vida quando descobriu o movimento de humanização!

Acho curioso contar que durante minha formação, na Residência, haviam várias coisas que me incomodavam.....cheguei a questionar se tinha escolhido a especialidade certa. Mas ao mesmo tempo em que aquilo tudo me atraía, tinha um quê de repulsa. Nunca digeri bem a conduta médica padrão - nada personalizada -, e porque precisava botar soro com ocitocina em todo mundo, porque precisava romper bolsa no meio do trabalho de parto, e porque tinha que fazer analgesia.

Bom, a analgesia é um capítulo a parte. A dor é sempre vista como algo nocivo e que traz sofrimento. Isso me alfinetava.

Mas sucumbia diante dos meus residentes veteranos e professores. Vamos dar logo a analgesia para essa mulher ficar quieta!!

Acostumei com essa visão de que o corpo não era uma morada perfeita. Como uma vez me disse Ric Jones: vivemos como equilibristas na corda bomba. Somos muito vulneráveis, por isso a Medicina tem tanto poder.

Engravidei pela primeira vez em 2002. Estava coletando dados e revisando lâminas de patologia para meu Mestrado, e atendendo sistematicamente casos de Medicina Fetal, já de olho num prospectivo para o Doutorado. Todos os dias, num hospital terciário (referência), para onde são encaminhados casos graves, via pelo menos 10 gestantes com diferentes graus de insuficiência placentária. Este era meu trabalho.

Aliás, se alguém tiver interesse em dar uma olhada na minha dissertação:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5139/tde-12082005-163445/

Estava grávida, fragilizada pelas circunstâncias, exposta aos meus professores, que queriam bisbilhotar minha barriga toda semana. E sucumbi diante de um diagnóstico de diminuição de LA e circulares de cordão.

Essa cesárea em outubro de 2002 foi um divisor de águas.

Tive depressão, revirei mundos e fundos......muitas constatações, reflexões...

Parei de atender obstetrícia, até porque trabalhava com minha professora, a mesma que fez minha cesárea.

Hoje penso que essa cesárea foi necessária, no sentido cármico, porque se eu tivesse tido um parto normal, mesmo frank, acho que não teria tido essa metamorfose.

Quando o Gustavo fez 1 ano, e me vi na situação de precisar colocá-lo num berçário, a Antroposofia/Pedagogia Waldorf caíram no meu colo, por uma série de coincidências felizes.

E este foi outro divisor de águas...comecei a ler muito, estudar, freqüentar palestras, e me identificando cada vez mais com tudo. A visão do Homem como um ser complexo, formado por vários corpos/envoltórios que se sobrepõem, e que precisam ser considerados integralmente, me fascinaram de cara.

Fui fazendo brainstorms com meu marido, e cada vez mais incorporando coisas da Antroposofia na nossa vida. Não tudo, mas as coisas que cabiam, viáveis, e que concordávamos.

Neste ponto da minha vida, ainda sem me aprofundar em questões da humanização do nascimento, olhei pra trás, e não me reconhecia em tudo que vivi e fui.

Nesta fase, abandonamos alopatia, fugíamos de hospital e blá-blá-blás que não levavam a lugar nenhum.

Engraçado que nesta fase comecei a questionar o porquê de não confiarmos no corpo.

E de novo, não olhando para a questão do parto, mas para uma simples febre e/ou virose infantil.
Por que tanto medo, e tanta desconfiança??

Por que agora não somos mais capazes de assumir o rumo de nossos próprios corpos e vidas, dependendo de tantas medicações, antibióticos, analgésicos e vacinas para "sobreviver"...

Sim, sobreviver é a palavra!

Nesta concepção, somos sobreviventes, e não seres humanos livres!

Por que tudo mudou tanto nos últimos 100 anos (para não citar épocas mais antigas).

Será que a gente tem que considerar a falência do corpo como marco 'evolutivo' da humanidade, que cresceu tanto no sentido tecnológico e materialista, e involuiu tanto no sentido da espiritualidade, do entendimento supra-sensível, da reverência aos processos naturais, etc.

Esse pra mim foi o grande ponto! Talvez o ponto que me fez tomar o barco para descer do outro lado.

Daí pra frente foi uma avalanche. Engravidei novamente no início de 2007, fui enfrentando meus fantasmas, olhando para o passado e futuro, acreditando cada vez mais em mim, na capacidade do meu corpo, e daí foi um pulo para o desejo de parir em casa. Eu merecia essa experiência. E se eu tiver mais 10 filhos, todos nascerão em casa.

Hoje acredito que lugar de nascer e morrer é em casa.

Do parto em diante, nada mais foi como antes, a vida profissional principalmente.

É muito sofrido e angustiante trabalhar com discordância de filosofia e crenças, trabalhar completamente para a matrix, estando fora dela. Vocês conseguem imaginar tamanho contra-senso?

E aí, apoiada pelo Dr. Jorge Kuhn e pela Ana Cris Duarte, fui voltando, voltando, e voltei de vez!

E posso dizer que estou adorando o outro lado do rio...!

Comentários

  1. Maravilhosooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! mais um sinal de que minha decisão de trazer meu filho ao mundo está mais do que correta... chega de medos!!! confiar em meu corpo sim!!! confiar na vida... em DEUS!!!

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